Crystal Palace campeão e o valor além da taça
Nas últimas décadas, a importância das conquistas no futebol se resumiu, quase que unicamente, ao grau da competição. É claro que vencer um título continental, por exemplo, tem mais peso que um estadual - isso se analisarmos de maneira isolada o esporte e desconsiderarmos os laços e as relações ali presentes; com o tempo aprendi que o tamanho de um título quem mede é o torcedor, e o Crystal Palace mostrou o isso no último dia 17.
Fundado em setembro de 1905 na cidade de Londres, o clube é tradicional no cenário inglês, embora nunca tenha sido vencedor. Antes dessa temporada, possuía em sua galeria apenas dois títulos da segunda divisão nacional e um da terceira, além de campeonatos regionais. A torcida ficou calejada nesses 119 anos, em que o time acumulou diversos rebaixamentos, crises financeiras, poucas campanhas de destaque e vice-campeonatos.
A paixão pelo Palace foi sendo passada de geração em geração, e todas elas tinham algo em comum: não viram uma conquista de expressão. Em 2025, pela FA Cup, isso finalmente poderia mudar. Após despachar Fulham e Aston Villa por 3x0 nos dois jogos, pelas quartas de final e semifinais, respectivamente, os Eagles chegaram à grande decisão da competição contra o poderoso Manchester City.
Dos muitos roteiros que os esportes proporcionam, confesso que um dos meus preferidos é esse de "Davi contra Golias". De um lado, um desafiante pequenino, aparentemente inofensivo e querendo provar seu valor; do outro, um gigante imbatível que quer fazer mais uma vítima. O palco da final foi o místico estádio de Wembley e o favoritismo era amplamente azul celeste, mas o futebol, como tantas vezes provou, é o lar da imprevisibilidade.
Logo no começo da partida, num contra ataque fatal, o Palace abriu o placar com gol de Eberechi Eze. O meio campista dividiu o heroísmo com o goleiro Henderson, que aos 35 minutos do primeiro tempo defendeu a cobrança de pênalti de Marmoush. O City pressionava e tentava encurralar o adversário, mas de nada adiantou: vitória e taça para o Davi de Londres!
Esse jogo também serviu para eternizar um momento emocionante nas arquibancadas inglesas. A torcida do Palace ergueu um mosaico que retratava Nathan e Dominic Wealleans comemorando um gol do time do coração junto ao falecido pai em 2011, contra o Manchester United. Os irmãos estavam presentes em Wembley e, juntos com as outras gerações de torcedores, puderam gritar "é campeão", pelos vivos e pelos mortos.
A importância histórica dessa conquista para o Crystal Palace vai além do troféu em si. Ela redefine a identidade do clube: deixa de ser apenas um resistente, um sobrevivente, para se tornar um campeão. A mentalidade muda. O respeito aumenta. A mística cresce. Torcedores mirins crescerão com a lembrança de que seu time pode vencer qualquer oponente, por mais forte que seja. E os mais velhos, que tantas vezes viram o clube à beira do abismo, podem agora olhar para cima com orgulho.
Em tempos de hegemonias e super times, a vitória do Crystal Palace é um lembrete da beleza democrática do esporte, onde o coração, a crença e o coletivo ainda podem superar o orçamento e o estrelato. Uma celebração do espírito esportivo, da luta contra as probabilidades, da alma que só o futebol é capaz de revelar.
Pedro Frozza
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