"E se...?" : Adriano Imperador




 

Esse é o primeiro texto da coluna "E se...?" do AVF, onde escreverei sobre grandes figuras do futebol que, por diferentes motivos, tiveram que encerrar a carreira precocemente ou não conquistaram tudo que poderiam.


Para os analistas pragmáticos, Adriano Leite Ribeiro. Para os fãs descontraídos, o Didico. Para todos, o Imperador. Nascido e criado na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, ali mesmo ele já sabia que a vida seria uma grande provação. A bola, um simples brinquedo, foi capaz de, ainda na infância, mudar toda a sua trajetória.


O futebol é uma grande ferramenta na vida de crianças moradoras de comunidades e dos mais carentes, e foi praticando esse esporte que Adriano se destacou, mais especificamente no futsal do Flamengo. Os profissionais do clube que atuavam nas categorias de base (dentre eles Carlos Alberto Torres) logo notaram seu potencial e o transferiram para o campo, onde passou a atuar na função de atacante. Muito forte fisicamente e com uma pesada perna esquerda, não demorou muito para que despertasse olhares do exterior. Em 2001, um ano depois de ser promovido ao time principal do rubro-negro, a Internazionale de Milão acertou sua contratação.




Mesmo marcando um golaço de falta contra o Real Madrid em pleno Santiago Bernabéu, não teve tantas oportunidades e foi emprestado para a Fiorentina e posteriormente ao Parma. Na temporada 2003-2004, veio o boom de sua carreira: logo que retornou à Inter, Adriano anotou muitos gols em poucos jogos e assumiu a titularidade incontestavelmente. As ótimas atuações lhe renderam, além dos títulos da Copa da Itália em 2004 e do Campeonato Italiano em 2005, duas figurações no Top 10 da Bola de Ouro, terminando em sexto e em quinto nos respectivos anos. O apelido de "imperador" não era pra menos.



Já figurando entre os melhores do mundo na época, facilmente se firmou na Seleção Brasileira. Decisivo contra a Argentina na Copa América de 2004, no ano seguinte se sagrou como carrasco do país rival. Integrando o famigerado "quadrado mágico", Adriano anotou dois gols na final da Copa das Confederações e selou a goleada por 4x1. Dois momentos épicos que fizeram com que o Brasil chegasse com status de favorito na Copa do Mundo de 2006.




E foi aí que ele teve o maior ponto de inflexão na sua trajetória pessoal e como atleta: o falecimento de seu pai. Esse acontecimento reverberou fortemente em sua vida e o trouxe visíveis consequências. As expectativas no Brasil pelo torneio mundial eram altas, mas devido a problemas de bastidores e vestiário, a Seleção amargou uma eliminação pra França nas quartas de final. Adriano, apesar de boa temporada na Itália, não rendeu o esperado (assim como as outras estrelas do grupo) e foi um dos mais criticados pela imprensa. Em razão do abalo psicológico, o atacante admitiu seus problemas com alcoolismo e depressão, que o deixaram fora de forma física e com que parasse de ser relacionado de jogos da Inter. Lenda no clube italiano, em 2008 foi emprestado ao São Paulo por seis meses, a fim de que retomasse a boa fase.




Durante o primeiro semestre daquele ano, jogou 28 partidas e anotou 17 gols, seis deles pela Copa Libertadores. No entanto, depois do tricolor ser eliminado da competição continental, retornou para a Inter. Lá, os problemas disciplinares persistiram e chegou a um acordo para rescisão de contrato com os italianos.


Nesse meio tempo, Adriano havia sumido dos holofotes por alguns dias e, enquanto se pressupunha sua morte por bandidos, estava na casa da família em Vila Cruzeiro, no Rio. A falta de seu pai ainda o abalava e, segundo ele mesmo, tinha perdido a alegria de jogar futebol. Hoje, o uso de psicólogos no futebol é cada vez mais recorrente, mas há 15 anos a realidade não era essa. Pelo contrário, os atletas ficavam desamparados e Adriano foi julgado com certo preconceito por boa parte da mídia e das pessoas que na época não compreendiam a gravidade e as causas da situação, chegando até a discrimina-lo por conta de sua origem nas favelas cariocas. Em 2009, uma luz no fim do túnel: o retorno ao Flamengo.






No clube de coração, reencontrou o caminho das redes. Mais perto dos familiares e definitivamente em casa, foi o cara do título brasileiro conquistado pelo rubro-negro naquele ano, sendo o artilheiro do time com 19 gols em 30 jogos, e eleito craque do campeonato. O Imperador, que sempre esteve nas graças da torcida pelo seu jeito autêntico de ser, se consagrou um ídolo no Mais Querido com o momento histórico. Em 2010, porém, resultados ruins e mais problemas extracampo culminaram na sua saída para a Roma, onde foi dispensado após oito jogos. No ano de 2011, acertou sua ida para o Corinthians. No Timão, também atuou pouco, mas marcou um importante gol na campanha do título brasileiro, na rodada 36.




Foi dispensado pela equipe paulista no começo de 2012 e depois passou por Athletico Paranaense e Miami United-EUA, respectivamente em 2014 e 2016, com poucas partidas pelos dois times. Ano passado, promoveu sua despedida oficial dos gramados, no templo mais sagrado do futebol, O Maracanã. O jogo "Flamengo x Itália" contou com estrelas e amigos pessoais de Adriano, que marcou dois gols, um com a camisa de cada equipe. O evento se tornou ainda mais emocionante quando tocou nos alto-falantes do estádio uma mensagem com a voz de seu pai, reproduzida por inteligência artificial, que ressaltava o amor e orgulho que sentia pelo filho. Às lágrimas, o Imperador deu adeus ao esporte que tanto o fez feliz.




Na época do falecimento do pai, Adriano não conseguiu lidar bem com o luto. Seu ex-companheiro de Inter Javier Zanetti, já relatou em entrevistas o estado devastador em que ele ficou após esse fatídico episódio. Afinal, mesmo com o dinheiro e fama que a carreira de jogador proporciona, eles continuam sendo seres humanos como todos os outros; e em casos como esse, o apoio profissional dos psicólogos é fundamental para a manutenção da saúde mental (e até física) do atleta. Pense no quão maior ele poderia ter sido se tivesse recebido esse suporte dos dias atuais. Fato é que o Imperador é um dos nossos maiores personagens, seja pelo seu incomparável carisma ou grande faro de gol, e jamais perderá sua majestade.


"Que Deus perdoe essas pessoas ruins".


Pedro Frozza







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