Botafogo e Racing: a redenção em 2024

 


O futebol sul-americano nos reservou dois belos enredos no ano de 2024. Botafogo e Racing conquistaram o topo das Américas e, cada um à sua maneira, superaram uma série de adversidades nos últimos 25 anos antes alcançarem esse posto.


Começando pelo lado brasileiro da história, o Glorioso vinha de um jejum de quase 30 anos sem títulos expressivos. Nessa trajetória até o ano passado, levantou 5 campeonatos cariocas e teve raras campanhas de destaque nas principais competições do país e do continente, além de três quedas para a segunda divisão.


Em 2021, uma luz no fim do túnel: inesperadamente, o empresário americano John Textor surge como interessado na compra da Sociedade Anônima do Futebol do Botafogo. A notícia empolgou a torcida de maneira imediata, pois isso significaria não somente a quitação parcial ou total das dívidas, mas também um pesado investimento financeiro no esporte do clube.




Retornando para a Série A no ano seguinte, o negócio foi sacramentado e começava ali o divisor de águas no alvinegro. Diversos jogadores foram contratados, dos quais Tiquinho Soares, Adryelson, Lucas Perri, Victor Cuesta, Marçal e Jeffinho foram os mais elogiados na temporada. O time chegou a disputar vagas para a Libertadores, mas acabou na décima colocação, que mesmo assim foi vista como uma evolução em comparação com os últimos anos.


Em 2023, o Botafogo começou o Brasileiro de forma avassaladora. Fazendo a manutenção da espinha dorsal do elenco e com os atletas em grande primor físico, logo começou a somar pontos e disparar na tabela, ao passo que chegou a ter 13 pontos de vantagem na liderança para o segundo colocado, distância essa que manteve a equipe na ponta do campeonato por mais de 30 rodadas. Mas em junho, o sonho começaria a se tornar pesadelo.


Visto como o principal líder dentro do vestiário, o técnico Luís Castro acertou sua ida para o Al Nassr, de Cristiano Ronaldo. Apesar de não ter causado tanto impacto num primeiro momento, o fato caiu como uma bomba sobre o elenco. Para assumir, Bruno Lage foi contratado e com ele no comando, o desgaste já existente se tornou maior ainda. Após 3 derrotas seguidas e com a liderança ameaçada, foi demitido com menos de 3 meses de trabalho. Em vias de deixar o título escapar, chega Tiago Nunes numa tentativa desesperada de apagar o incêndio, mas também sem sucesso. Nos últimos 17 jogos do Brasileirão, o Botafogo teve 8 derrotas, 7 empates e apenas 2 vitórias, terminando o campeonato numa quinta colocação amarga.




No futebol, o lado derrotado tende a se considerar injustiçado quando, em determinados contextos, perde uma taça. Falo por experiência própria, e o torcedor botafoguense irá concordar. A tristeza e a raiva eram descomunais, mas a vontade de dar a volta por cima era maior ainda. E foi por meio desse pensamento que John Textor fez grandes aportes financeiros e trouxe reforços pontuais, como Luiz Henrique, Thiago Almada, John e Savarino. Além, claro, do técnico Arthur Jorge, que chegou para substituir Tiago Nunes.


Com um elenco ainda mais reforçado e bem treinado, o Glorioso entrou como um dos favoritos nas principais competições. Ao passo que se firmava no Brasileiro de maneira sólida, avançava na Libertadores. De maneira heroica, desbancou o até então algoz Palmeiras e logo em seguida o São Paulo. Na semifinal, aplicou uma sonora goleada por 5x0 no pentacampeão Peñarol e encaminhou a classificação para a inédita final contra o Atlético Mineiro.


Pra não negar que se tratava de Botafogo, tinha que ter aquela pitada de sofrimento: com 1 minuto de jogo, Gregore é expulso. Mais uma vez contrariando a lógica, o alvinegro abriu 2x0 no placar e administrou o resultado. Mesmo com a equipe mineira indo com tudo na segunda etapa, os cariocas souberam se defender e após vencerem por 3x1, de maneira épica, alcançaram pela primeira vez o troféu mais cobiçado do continente. Pra fechar de vez a cicatriz do ano anterior, após 8 dias, conquistaram o campeonato brasileiro diante da torcida no Nilton Santos. Depois de anos e anos de sofrimento, a Estrela Solitária brilhava indiscutivelmente e os Escolhidos podiam gritar: é tempo de Botafogo!




Saindo do Rio de Janeiro, hora de ir para Buenos Aires, mais especificamente em Avellaneda. Lá é onde se encontra o Racing Club, gigante argentino que por muito tempo passou adormecido no cenário sul-americano. Primeiro campeão mundial do país e com muita força no cenário nacional, o final do século XX se mostrou completamente atípico e quase significou o seu fim.


Em 1999, o clube passava por um turbulento momento e estava imerso em dívidas. A crise era tamanha que no ano anterior, o presidente Daniel Lalín promoveu um exorcismo no El Cilindro e uma missa foi rezada atrás de um dos gols, com água benta sendo derramada no gramado. Como consequência do dívida de mais de 30 milhões de dólares, o clube declarou falência e ficou legalmente impossibilitado de entrar em campo. Num gesto de amor como poucas vezes visto, a fanática torcida de La Academia encheu o estádio, com vários chegando a invadir o campo.




Um time de futebol não é um mero negócio, que pode ser simplesmente encerrado e fim de papo. Trata-se de uma paixão singular que muitas vezes une laços de família. O processo burocrático foi revogado e a empresa Blanquiceleste S/A assumiu as finanças do Racing, com a proposta de sanar as dívidas da instituição num período de até 10 anos. Em 2008, o imbróglio foi finalmente finalizado, com o Racing Club Asociacón Civil retomando o controle. Após o seu renascimento, eternizado no dia 07 de março de 1999, o gigante de Avellaneda conquistou mais 3 campeonatos nacionais, sendo o primeiro da lista em meio a esse cenário caótico, em 2001, encerrando um jejum de 35 anos sem títulos. 




Mencionei anteriormente a questão de injustiças ou correções que o futebol, cedo ou tarde, acaba reparando. Pois bem, com La Academia não foi diferente. Tendo a última conquista internacional acontecido 1988, o time argentino acabou com esse tabu 36 anos depois ao faturar a inédita Copa Sul-Americana, sob o comando do lendário ídolo Gustavo Costas, desbancando os brasileiros Athletico Paranaense, Corinthians e Cruzeiro, sendo este último na finalíssima da competição. A forte história recente do Racing Club nos ensina uma importante lição (talvez a mais valiosa do futebol): o maior patrimônio de uma instituição de futebol é sua torcida!




Em fevereiro deste ano, quis o destino que esses dois times de histórias de superação, Botafogo e Racing, se enfrentassem na decisão da Recopa, onde os argentinos se sagraram os vencedores. Essas trajetórias difíceis pelas quais os times passam antes de alcançarem o topo são fascinantes e nos ajudam a compreender o valor das conquistas, que estão muito além do metal das taças.


Pedro Frozza



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